terça-feira, 20 de maio de 2008


A pós-modernidade chega às telas

Blade Runner – Caçador de Andróides inaugura, nos anos oitenta, o cinema pós-moderno americano


Em 1982, ano em que Blade Runner foi lançado em nossos cinemas, eu estava tão envolvido com o estudo do sexo oposto que nem tomei conhecimento do filme. Com 12 anos de idade, Sessão da Tarde, filmes de terror e revistas de sacanagem me interessavam muito mais que qualquer estética cinematográfica revolucionária. Então, só muitos anos depois, numa reapresentação, é que fui, já na condição de cinéfilo, assistir a Caçador de Andróides na telona. E o que senti naquela poltrona do velho cinema é indescritível.

A primeira cena do filme já é acachapante: uma torre cuspindo fogo no céu escuro de uma cidade fria, caótica e futurista, com a bela, forte e perturbadora música de Vangelis ao fundo. Ao fundo nada: a música do grego Vangelis, que está em todo o filme, aparece muitas vezes em “primeiro plano”, transcendendo à cena em si. A cidade de Los Angeles do futuro, com seus prédios piramidais, seus veículos voadores, feita em maquetes, soa mais real que estas animações feitas com uso de computação gráfica de hoje em dia – uma maquete é tridimensional naturalmente e sua presença física é um fato, diferentemente de alguns efeitos cansativos de computador, que quase nunca conseguem um realismo convincente.

Falar da estética de Blade Runner – Caçador de Andróides é pôr lenha em um tema que serve a várias teses, dado o tamanho da riqueza visual e sonora exposta naquele trabalho. Contudo, som e imagem é pouco. Tudo em Blade Runner serve como material de estudo. O filme propõe um estudo sobre a contraluz na fotografia de cinema. Se quisermos uma síntese do cinema noir, ali está. Se quisermos um estudo sobre a presença do anti-herói no cinema; se o caso for estudar a possibilidade do estabelecimento do caos nas sociedades do futuro; ou a revolução das máquinas – como só no primeiro Matrix se fez algo de bom nível – ; se o assunto for a própria pós-modernidade; se pretende-se fazer um estudo sobre a morte e a imortalidade, o que, pra mim, são os temas centrais do filme... Enfim, Blade Runner é um “filme-estudo”.

O autor da estória de Caçador de Andróides é o falecido escritor Phillip K. Dick, criador também das narrativas filmadas em Total Recall, de Paul Verhoeven, e em Minority Report, de Steven Spielberg. Mas o pioneiro em filmar Phillip Dick foi mesmo o irregular cineasta Ridley Scott, que tem em seu currículo um outro marco da ficção-científica, que é Alien, o Oitavo Passageiro, além do mega-sucesso Gladiador. Contudo, é indiscutível que o ponto alto de Ridley Scott foi mesmo Blade Runner. Foi naquele momento que o criativo, produtivo e injustiçado autor de ficção-científica, Dick, foi revelado ao mundo em sua primeira e mais contundente adaptação para o cinema, através da lente caótica de Scott.

A trama de Blade Runner não é complexa, ao contrário do que alguns pensaram. Um “caçador de andróides” é contratado para encontrar e exterminar um grupo de replicantes (como são chamados os andróides do filme) que fugiram de uma colônia, numa rebelião. Em sua caçada, ele, o detetive Deckard – vivido por Harison Ford –, faz uma imersão na L.A. abandonada, úmida e marginal do futuro. Num futuro em que só as classes menos favorecidas habitam a Terra. As pessoas com poder aquisitivo iriam morar em marte. No percurso, apaixona-se pela replicante Rachel (Sean Young). O tema composto para o casal é uma das mais lindas e inebriantes músicas de amor compostas para cinema, com uma delicada melodia feita no saxofone – hoje o tema é tocado em propagandas de motel. O sax da canção faz um bom contraponto com o resto de toda a trilha do filme, que tem bases predominantemente eletrônicas. Aliás, o contraste é a tônica de toda a obra. O contraste relativizando bem e mal é um exemplo disso: os vilões do filme – no caso os andróides – parecem mais humanos que as pessoas de verdade.

Estava em Blade Runner a materialização da chegada da pós-modernidade ao cinema americano, onde – ao contrário do que se propunha com aquela “Era Reagan”, com os seus “Rambos” – o maniqueísmo foi descartado sem receios, primando-se o questionamento.



Luciano Fortunato escreve para http://www.cronicascariocas.com/


segunda-feira, 12 de maio de 2008


trilogia psicolor
*
eu, canalha

na minha relva multicor
piso no tapete de pétalas
sobre os vermes
sobre as folhas
sobre o húmus
e sobre aquele homem que pensei ser
nada na verdade sei
a não ser que ele é um canalha
um bondoso canalha informal
ser canalha é pisar em cores
e escarrar arco-íris pastéis.



virgulismo

vou te sangrar, seu filho-da-puta
te afogo no leite de cabra safada
no leite envenenado da donzela
leite induzido
sangue induzido
mel voluntário de virgem solta
lava de vulcão marinho
vou te sangrar, filho-da-puta
derramar tua alma cor-de-rosa.



psicodrama

maio de 68
dezembro de 69
fogo de maio
fumaça de dezembro
espuma dos anos
fog
frogs
se sorri do passado
alegria sincera
alegria suicida
sarcasmo branco
direitos civis
capital dos fracos
e dos amadores

eu não existia
eu ainda não havia
e não havia sido
beijado
pela música feminina dos dias
em maio de 68

primaveras ensolaradas
me esperem
eis-me aqui:
e minha bandeira
é verde como o sangue.


***


luciano fortunato, músico e web-escritor,

escreve para o site crônicas cariocas

quarta-feira, 7 de maio de 2008


“Louvado seja o homem
Ele existe no leite e vive entre lírios
E ouve-se na música do seu violino,
No leite, e no vazio cremoso

Louvada seja a pétala interna da carne
não exposta
do pensamento suave

Louvada seja a desilusão, o ondular
Louvado seja o Sagrado Coração da Eternidade
Louvado seja eu, escrevendo,
já morto, e novamente morto”.
(Jack Kerouak)



“Não dá pra ser esperto e amar ao mesmo tempo”
(Bob Dylan)