sexta-feira, 28 de março de 2008

Útero 12


Estamos no município de Mendes, interior do Estado do Rio. À nossa frente o imponente Túnel 12. Estou de pé, com os braços cruzados, entre os trilhos que saem do orifício na montanha como se fossem estes uma língua, e eu olhando para ele, olhando para aquela boca. Boca, pelo fato de ele muito falar. Este túnel fala – com sua voz que é o silêncio da brisa quase imperceptível que sopra; com as vozes dos fantasmas daqueles que trabalharam em sua construção; com o grito da locomotiva que vem poluir e enfeitar o nosso pequeno bairro, Humberto Antunes. Mas às vezes penso nele não como uma boca, mas como uma vagina. Dali nasceu nossa cidade. Dali nasceu a nossa quota de projeto de Brasil.
Saibam: o Túnel 12 ostentou por muito tempo o posto de maior túnel ferroviário do mundo.
Fico pensando na época, logo após sua inauguração, quando Dom Pedro II o atravessou a pé, quase três quilômetros montanha a dentro, vindo do município de Engenheiro Paulo de Frontin em direção a Mendes.
Eu estive conversando com meus amigos sobre um plano meu, que é fazer do Túnel 12 um ponto turístico. Faríamos incursões a pé pelo seu interior – como fez Dom Pedro II. Os turistas usariam capacetes com lanternas. Eu, como guia, os levaria até o útero da minha terra, a matriz de quase toda alma que habita este lugarejo: a minha gênese escura e úmida – é úmido lá dentro.
Mas há um problema. E quanto aos trens? Pediríamos à empresa que hoje é proprietária de toda a rede ferroviária para dar um intervalo com os trens? Ou teríamos um turismo de aventura, fazendo do risco do atropelamento por uma locomotiva um ingrediente a mais para animar os turistas? Como um monte de espermatozóides entrando em uma vagina sem camisinha.
O Túnel 12 é o meu elo místico com o que eu poderia chamar de amor.
Luciano Fortunato.

terça-feira, 25 de março de 2008



"O silêncio está tão repleto de sabedoria e de espírito em potência
como o mámore não talhado é rico em escultura"
Aldous Huxley

sábado, 22 de março de 2008

a última bolacha



aqui no rio é biscoito

em são paulo é bolacha

a farinha é a mesma
é do mesmo saco

o recheio varia

mas não de acordo com o lugar

não necessariamente

o recheio hoje é globalizado

assim como o amor:
o amor hoje é globalizado

amor hoje é mercadoria

ele está sujeito
está sujeito ao cinema

à globo

à caras

ao shopping

aos cadernos culturais

às cadeiras das universidades

às carteiras dos endinheirados

com seus dinheiros de plástico

e seus dinheiros eletrônicos

dinheiro que tudo compra

dinheiro que, segundo o velho nelson,

compra até amor verdadeiro

dinheiro

dinheiro, quem é você?

no leblon não há mais inocentes

e o amor é vazamento de navio

é óleo

é óleo escuro

é contaminação provocada

não vem como chuva

vem como sabotagem

mas, apesar de tudo,

é ele, o amor,

o melhor recheio para uma bolacha

biscoitos finos não podem ter sabor de fel

amor

andei evitando essa palavra em poema

isso faz uns tempos

só que de uns tempos pra cá ela voltou

e voltou não menos carente de significado

mas voltou

e eu não posso evitá-la

pois é – e sempre foi – a palavra que me escolhe

e não o contrário

a palavra tem mais vida que eu

e tem desejos

e tem história

e quem sou eu frente a ela?

sou um nada

sou um merda

sou um casanova teórico de merda

um brasileiro de merda

sou um pseudo-brasileiro

um pseudo-eu




luciano fortunato

poeta, cantador, web-escritor e cronista musical do website crônicas cariocas www.cronicascariocas.com.br