sábado, 22 de março de 2008

a última bolacha



aqui no rio é biscoito

em são paulo é bolacha

a farinha é a mesma
é do mesmo saco

o recheio varia

mas não de acordo com o lugar

não necessariamente

o recheio hoje é globalizado

assim como o amor:
o amor hoje é globalizado

amor hoje é mercadoria

ele está sujeito
está sujeito ao cinema

à globo

à caras

ao shopping

aos cadernos culturais

às cadeiras das universidades

às carteiras dos endinheirados

com seus dinheiros de plástico

e seus dinheiros eletrônicos

dinheiro que tudo compra

dinheiro que, segundo o velho nelson,

compra até amor verdadeiro

dinheiro

dinheiro, quem é você?

no leblon não há mais inocentes

e o amor é vazamento de navio

é óleo

é óleo escuro

é contaminação provocada

não vem como chuva

vem como sabotagem

mas, apesar de tudo,

é ele, o amor,

o melhor recheio para uma bolacha

biscoitos finos não podem ter sabor de fel

amor

andei evitando essa palavra em poema

isso faz uns tempos

só que de uns tempos pra cá ela voltou

e voltou não menos carente de significado

mas voltou

e eu não posso evitá-la

pois é – e sempre foi – a palavra que me escolhe

e não o contrário

a palavra tem mais vida que eu

e tem desejos

e tem história

e quem sou eu frente a ela?

sou um nada

sou um merda

sou um casanova teórico de merda

um brasileiro de merda

sou um pseudo-brasileiro

um pseudo-eu




luciano fortunato

poeta, cantador, web-escritor e cronista musical do website crônicas cariocas www.cronicascariocas.com.br


Um comentário:

Carlos Cruz disse...

este poema tem algo que mui aprecio: inconformismo mesclado a pessimismo urbano-contemporâneo. gosto quando alguém explora - com propriedade, estilo e elegância lírica - a dicotomia amor/caos.

seu (ótimo) poema é a tal catarse.

bom, véi. muito bom.