sexta-feira, 17 de julho de 2009

Eu monstro

por Luciano Fortunato



Homenagem ao monstro – Era eu um dos quarenta e poucos homenageados da noite. Homenagem feita pela Câmara Municipal de Mendes aos cidadãos que se destacaram no último ano. Uma medalha grande, muito bonita, dentro de um estojo de camurça azul marinho também muito bacana. O que eu fiz pra merecer isso? Ora, participei, entre outras coisas, da produção de um curta-metragem que fora exibido na televisão, sendo aquele um produto cultural que colaborou de forma inquestionável para a divulgação de nosso pequeno município país afora. Afinal, muitos pagam caro para ter alguns segundos na TV, enquanto o Cachorro-Quente Vodu – o filme a que me refiro – foi exibido sem qualquer ônus para nossa cidade, pois tudo foi viabilizado pelo sucesso do amigo Elano Ribeiro, um dos quarenta selecionados no Brasil para dirigirem seus curtas, com exibição previamente garantida, num projeto de incentivo audiovisual patrocinado pela Petrobrás. Por conta de toda a movimentação que foi gerada pela produção e exibição do filme, Elano, eu, e Ana Clara, a menina que brilhou como atriz principal, acabamos sendo, portanto, homenageados, juntamente com várias outras pessoas de vários segmentos da comunidade mendense, com a “medalha de honra ao mérito legislativo”.

É claro que fico feliz. Um vereador – vice presidente da Câmara – que nem é meu amigo me indicou para ser homenageado, sendo ele então o autor da homenagem. Ele, Rubinho, parece ser um sujeito com sensibilidade, alguém que dá valor a iniciativas artísticas, e o fato de não termos qualquer laço de amizade dá credibilidade ao seu empenho, e dá ainda mais credibilidade e valor à minha medalha. A honra da medalha – que está atrelada, obviamente, à do Elano – eu divido com algumas pessoas, a saber: Mary Seabra, Ary Moreira, Emília Silveira, Juliette Silveira e Álvaro Alves. Este, o Álvaro, um cara muito mal compreendido em nossa cidade, uma pessoa que levantou sempre a bandeira da cultura. Foi através dele que tomamos conhecimento do projeto que viabilizou nosso pequeno, modesto, singelo e bonito filme de onze minutos.

E agora? De retorno à minha honrada insignificância caseira, o que fazer? Não que eu seja insignificante para os meus mais próximos. O fato é que minhas potencialidades artísticas – se é que são de fato existentes – não podem fazer minha família mais feliz. Provavelmente, muito pelo contrário. Artista não é gente. Ser artista é ser um E.T., é ser portador de uma doença. O meu lado artista me desumaniza. Nisso, a única coisa a meu favor é a possibilidade de relativização: é mesmo bom fazer parte da dita “humanidade”? Sou um monstro a publicar minhas esquisitices na Internet. Um monstro a fazer poemas e canções. Um monstro com uma medalha.

No Reino das Águas Claras eu seria um cano de esgoto negro, com minha estética torta. Sou um poluidor do rio da minha própria vida. E são tantas as fontes das quais me hidrato, a ponto de eu nunca saber se o que bebo é água ou veneno. Quero, egoisticamente, “diversão e arte”. Mas é isso a vida? Não seria ela um grande campo de batalha onde o que importa, de verdade, é comida, é sobrevivência? O fato de eu não gostar de conversar sobre dinheiro, ou melhor, sobre formas de ganhar dinheiro, preferindo sempre outros assuntos, parece-me às vezes uma postura brutalmente egoísta. A arte me parece um monstro devastador. O monstro da mentira que me capturou e me tornou monstro – um monstro que parece preferir arte a pão. Às vezes penso que mereço ser ridicularizado.


*


Doce ressaca do monstro – Pronto. Monstro posto, o que fazer agora? Deliciem-se os meus possíveis adversários com a carne fresca do monstro. Riam em escárnio. Conjeturem. Fucem o quebra-cabeça das minhas bárbaras confissões confusas. Usem minhas palavras contra mim: “– Vejam só! Ele próprio se declara monstro!” Mas quem seria eu a não ser o violentador de mim? Minha vítima sou eu. Meu inimigo sou eu.

Não sei se poderia eu usar a palavra escrita como expressão. Não sei por que cargas d’água me dei o direito de usar o sofisticado recurso dessa literatura sem livros de papel. Quem me lê, quase sempre lê mais de uma pessoa, pois sempre tenho mais de duas caras e dois corações. Talvez fosse melhor então ler outra coisa. Ou não tentar me compreender através do que eu escrevo, pois isso só dificultará as coisas. No começo deste texto, há umas cinco horas, antes do intervalo ao qual me reservei – pra se ter uma idéia do que eu estou falando – eu estava me sentindo um lixo humano. Agora não mais. Um cochilo. Um pedaço de pão. Umas azeitonas pretas. Um pouco de doce de laranja amarga. Um pouco de mingau com canela servido por Mary, e sou um novo homem. E assim vou me morrendo e me refazendo nestas bipolaridades. Há pouco eu era um verme rastejante sobre meus restos podres. Agora sou um artista relativamente contente em frente ao teclado escrevendo essas coisas, com meu headphone, meu disc-man, ouvindo as músicas que gosto. A propósito: o disc-man tem substituído meu carro velho e com defeito com relativo sucesso. Com este aparelhinho que acabei de comprar por um preço de banana, minhas caminhadas tem sido tão menos enfadonhas... Ainda pretendo conseguir uma vitrolinha portátil pra ouvir meus velhos discos de vinil com meu amigo maluco Marcelo Maia comendo carne e tomando uma bela cerveja numa mesa de bar.

Artista? Eu? Artista é o caramba!

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